quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Primavera

E veio a primavera.
Agora só resta esperar o fim
Do inverno dos meus dias.
Aguardo um raio de sol...

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Quando o inverno terminar, em Porto Alegre

Quando o inverno terminar, eu vou sair de casa, vou passear,
Vou botar uma roupa legal, e caminhar ao sol.
Quando o inverno acabar, em Porto Alegre
Vou ao Gasômetro, à redenção e ao marinha.

Quando o inverno terminar, vou pra praia,
Dar a mão pro meu amor e caminhar,
à beira-mar.
Vou sentar num bar e tomar uma cerveja,
E olhar o céu, e esperar,
a noite chegar.

Se um dia o inverno terminar em Porto Alegre,
Vou cuidar de rever meus amigos.
E no dia que o inverno terminar vou esquecer das horas
E vou deixar a vida me levar.
Vou rasgar a madrugada com conversa fiada,
E não vou me arrepender no outro dia de ter dormido tão tarde.

Quando o inverno terminar, em Porto Alegre,
Vou subir os morros, vou colher as flores do campo
E vou jogar as pétalas ao vento da primavera.
Vou fazer planos para o futuro,
Vou viajar. E depois, cansado, vou sentar e esperar um novo dia.
E se sobrar um tempinho, vou querer escrever.
E se bobear eu crio um blog e escrevo todo dia...
Mas só depois que o inverno terminar, em Porto Alegre.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Amnésia

João acordou cedo e ficou deitado, pensando na vida. Pensava em muitas coisas que gostaria de fazer: ir à praia, viajar, tomar um café expresso com chantili, andar a cavalo... Só saiu da sua letargia quando a mulher lhe perguntou se por acaso não iria trabalhar naquele dia. João levou um susto, olhou para aquela mulher ao seu lado e se perguntou o que ela fazia ali. Em todo caso, algo lhe indicava que deveria fazer o que ela dizia, e então levantou, tomou um banho, trocou de roupa e foi trabalhar.
Pegou um ônibus e cada lugar por onde passava parecia novo. Em determinado momento, ele desceu e ficou um tempo parado, esperando decidir para onde ia. Naquela estranheza, seguiu seu instinto, caminhou uma quadra e meia e entrou em um prédio. Nos corredores, quando cruzava com alguém, recebia um "bom dia" que retornava com simpatia, embora em nenhum momento pudesse saber quem eram aquelas pessoas. Foi até uma sala e ocupou uma mesa com um computador.
Naquele dia, João ficou o tempo todo sentado na frente daquele computador e não fez nada. Às vezes acessava o menu de programas e iniciava alguma coisa, para ver se sabia o que fazer. Na verdade era isso, João não sabia o que tinha que fazer. Olhava em volta e achava tudo e todos estranhos. Começou a pensar que estava com algum problema. Pensou em perguntar para o chefe o que tinha que fazer, mas a verdade era que ele não sabia quem era o chefe, ou se ao menos tinha um. Esperou o dia todo que alguém lhe cobrasse algo, mas ninguém falou com ele, e nem sequer recebeu um telefonema.
A única vez que lhe dirigiram a palavra foi já no final da tarde, quando uma das pessoas que dividiam a sala com ele perguntou se ele iria ficar até mais tarde. João respondeu que não, e aproveitou que essa última pessoa estava saindo e saiu também.
Na rua, tudo parecia estranho, e João não sabia para onde deveria ir. Se deu conta então de que tudo na sua vida não existia mais, e não existia porque ele tinha esquecido. Pensou que talvez tivesse um celular e procurou nos bolsos. De fato tinha, e por um momento lhe pareceu plausível ligar e pedir ajuda para alguém. No entanto, não sabia quem eram aquelas pessoas cujo nome estavam na sua agenda, e foi aí que viu que seu telefone só serviria para alguma coisa se alguém ligasse.
Veio a noite e João não recebeu nenhuma ligação também. Resolveu ficar ali, na frente daquele lugar onde tinha passado o dia sem saber porquê, pois talvez pela manhã se desse conta de que tudo era um sonho, ou alguém poderia chegar e lhe perguntar o que estava acontecendo e quebrar esse estranho encantamento que estava vivendo. Pegou no sono e quando acordou já era dia de novo. Só que agora João não sabia mais quem era, embora tivesse consciência de que estava no mundo. João passou o dia todo no mesmo lugar, e ninguém lhe perguntou o que fazia ali, sentado na calçada, e ninguém ligou para aquele celular que ele tinha. Pensou que podia ligar para alguém, mas achou difícil porque não saberia dizer quem era nem o que queria. Mais uma vez veio a noite e ninguém lhe dirigiu uma palavra sequer. Então ele constatou que estava sozinho, e que na verdade não estava esquecendo de tudo. João não estava esquecendo de nada. Só que o mundo, de repente, esqueceu que João existia. Percebendo isso, ele se achou muito triste e teve vontade de chorar. E João tentou, se esforçou, mas não pôde lembrar como se chorava.

terça-feira, 22 de maio de 2007

A vida é isso

Felipe largou tudo e foi viajar. Tinha cansado do trabalho e, afinal de contas, tanto esforço deu pra juntar algum dinheiro. Quase nem acreditou quando seu chefe disse que aceitava fazer um acordo, pois isso lhe garantiu uns trocados extras que lhe seriam muito bem vindos nas aventuras que pretendia fazer. Nada muito radical: queria pegar a estrada, sentir a sensação de liberdade de andar sem rumo, conhecer lugares novos. Queria redescobrir a vida, isso sim!
O que tinha feito nos últimos anos não lhe permitia dizer que vivia, de fato. Tinha estabilidade no emprego e ganhava até razoável. O dinheiro dava para viver com algum conforto, ter o carro que gostava, ajeitar alguma coisa e comprar uns badulaques. Saía pouco, mais por falta de tempo do que de vontade. Embora não fosse tão jovem (já beirava os quarenta anos), ainda não tinha se agarrado a um relacionamento afetivo duradouro. Tivera algumas namoradas e muitas vezes ficara sem ninguém por longos períodos. Gostava de dizer que vivia bem com a solidão, o que talvez fosse verdade. Alguma coisa lhe faltava, porém, e era atrás disso que ele queria ir agora, embora não soubesse o que era.
Da família, visitava os pais de vez em quando. Nos últimos anos com menos freqüência, e eles afinal ainda tinham dois filhos morando juntos, não ficariam desamparados. Felipe era motivo de orgulho para eles, pois sempre teve iniciativa e pôde se projetar um pouco na vida, conquistando um padrão de vida muito superior ao da família.
Sem ninguém, sem compromisso, algum dinheiro no bolso, lá foi Felipe. Disse a todos que iria para a Fronteira, embora isso fosse muito vago. "Vai ver os parentes?" foi o que os pais perguntaram. "Aproveita e faz umas compras", os amigos sugeriram. A ambos não deu muita bola. Gostava de rodar pelas estradas que levavam à Fronteira, de fato. Eram mais calmas, intercalavam longas retas com trechos sinuosos, e eram povoadas muito espaçadamente, por uma gente simples e acolhedora.
Felipe rodou umas 3 horas sem parar. Andava devagar, embora tivesse um carro potente e seguro. Já correra sua vida toda e não alcançara nada, para quê correr agora? Se permitia olhar ao redor, acenar para alguém que andasse pela estrada, observar o relevo, os campos, a vegetação. Cada paisagem na estrada equivalia a um novo bálsamo para seu espírito, e ele respirava fundo enquanto ouvia o ronco suave do motor do carro. Buscava a vida, a verdadeira, agora. Tinha mandado tudo para a puta que o pariu e se sentia feliz por isso. "Que se danem os chefes, os clientes, o banco, o plano de saúde, os cartões de crédito" pensava consigo. "Que se fodam os shoppings!" gritou, dentro do carro.
Seu estômago roncou, e ele se deu conta de que precisava comer algo. Não sabia que horas eram, mas agora o que mandava era seu ritmo, sua vida, a verdadeira vida! Enxergou ao longe uma placa, escrita toscamente: "comida caseira". Bingo! Nada de buffets executivos com comida balanceada, era de uma boa comida caseira que precisava.
Parou o carro, desceu. Era uma casa simples, retirada uns 50 metros da estrada, por um caminho marcado pelas rodas dos veículos. Não fosse a placa da "Coca-cola" ao lado da porta, diria-se ser apenas uma moradia. Um caminhão "boiadeiro" encontrava-se estacionado à sombra de uma grande árvore, ao lado da casa. Entrou e se deparou com um salão amplo, onde apenas um cliente, sentado à uma das mesas, olhava para uma TV antiga enquanto tomava um guaraná. O homem desviou discretamente seus olhos para observar Felipe, e seguiu na sua atenção ao programa televisivo. Veio de dentro da casa uma senhora já idosa, vestindo um avental ensebado. Felipe perguntou pela comida, ao que a velha respondeu que naquele horário não tinha mais. Mas poderia lhe preparar algo, "quem sabe um bife com pão, ou frito um pastel na hora, se o senhor quiser". Felipe optou pelo pastel, que lhe pareceu mais adequado à condição de viajante solitário. Sentou em uma mesa para esperar. Tudo era simples, rústico e limpo, embora algumas moscas rondassem as mesas. Em pouco tempo sentiu o cheiro da gordura quente vindo lá de dentro, e em menos tempo ainda a velha trouxe seu pastel em um prato, sobre um guadarnapo. Agradeceu e pediu um refrigerante de guaraná. Levou o pastel à boca e degustou com prazer. Ao dar a segunda mordida e encontrar o recheio, sentiu que uma lágrima lhe brotava no olho. Sorriu. "A vida é isso", pensou, "a vida é um pastel na beira da estrada".

Estratégia de trabalho

Parece mentira que eu estou escrevendo um post com esse título. Afinal, isso aqui não é para ser trabalho, e sim descontração. Acontece que, como eu tinha previsto, falta tempo para postar os textos, e até para escrevê-los. Tenho tido surtos de criatividade nos momentos mais inadequados, quando é impossível acessar algum meio de registrar as idéias que me vem à cabeça. Acho que vou fazer como o Charles Kiefer, que disse uma vez numa entrevista que leva sempre consigo um pequeno bloco para anotar as idéias que depois irão compor os seus escritos. Em todo caso, revirando meus arquivos encontrei alguns textos antigos (coisas dos últimos 5 anos), que ainda continuam atuais. Vou aproveitar esse material e postar aqui de vez em quando, com alguma marcação que os identifique (tipo do baú ou coisa assim). Dessa forma mantenho o blog atualizado enquanto não encontro tempo para produzir.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Pieguices

Não quero assustar ninguém com pieguices, até porque não é o tom deste blog. No entanto, quero falar um pouco de amor e paixão. Faz muito tempo que não me apaixono, embora as lembranças que tenho me levem a crer que é uma das coisas mais lindas do mundo. Minha última paixão está comigo até hoje, já faz mais de sete anos, e vivemos um amor intenso e verdadeiro. Nosso amor nasceu de uma grande amizade, e isso, que pode parecer bom, nos causou muitos problemas de início. Mas superamos todos (não foi fácil) e hoje somos grandes amigos e amantes, parceiros e confidentes. Mudamos nossa vida um bocado, em virtude da nossa coexistência, e temos construído muitas coisas juntos. É difícil falar de alguma coisa que um de nós faça e que o outro não seja parceiro ou apoiador.
Não sei por onde anda aquele sentimento de paixão que tínhamos no começo. O certo é que ele não me faz falta. Outro dia me peguei cantando e pensei há quanto tempo não cantava para a Angela. Era algo que eu fazia com freqüência, e que com certeza ela gostava mais do que gostaria hoje de ouvir. Vejo algumas pessoas apaixonadas de vez em quando, mas isso é cada vez mais difícil.
Vejo pessoas apaixonadas por seus carros novos, por suas casas, por seus celulares, mas cada vez menos pessoas apaixonadas por outras pessoas. Não acho que as pessoas têm que andar por aí exibindo florzinhas e borboletinhas em volta do seu semblante, mas quando essa coisa tão intensa deixa de ser direcionada a um ser humano, me parece que existe um problema. E o problema pode ser justamente a impossibilidade desse sentimento se fortalecer e se transformar numa ferramenta para a vida, carregada de reciprocidade, de companheirismo. É isso que eu vivencio na minha vida hoje. Sei que estar apaixonado foi um momento dessa mesma relação, mas acho que naturalmente conquistamos a maturidade dos nossos sentimentos. Não tenho a preocupação que isso vá durar por toda a vida, e isso é muito importante, pois não estabelecemos compromissos para um futuro juntos, e sim construímos os pilares de duas vidas autônomas, livres, capazes de seguir seu rumo no momento que o outro não puder ou não quiser mais estar presente. Em todo caso, espero que isso ainda leve muito tempo para acontecer.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Elisandra

Elisandra nunca entendeu bem como funcionava sua memória. Na verdade, ela nunca se preocupou em entender. Já passara dos trinta anos e tinha lá suas preocupações: seu corpo e seu rosto cada vez mais exigiam maiores cuidados e investimentos para ficar em condições de "conquistar alguém". Ah, isso sim! Para isso sua cabecinha funcionava, e muito bem! Claro, sua memória não ajudava, mas ela tinha uma tática infalível, que consistia em anotar todas as informações necessárias em uma agenda, que carregava sempre consigo, seja onde for.
O caso da memória da Elisandra é de se refletir. Na infância, teve alguma dificuldade no colégio, devido à fraca capacidade de memorização. Principalmente nos inícios de ano letivo, quando os professores puxavam pelo conhecimento pregresso, adquirido nas séries anteriores, ela sempre tinha que recorrer aos cadernos ou aos colegas para relembrar o aprendido. Foi assim até o final do segundo grau, e depois nos cursos profissionalizantes que fez. Aliás, profissionalmente repetia-se a inépcia de memorização, e entre um caso e outro de desemprego, Elisandra sofria horrores para retomar plenamente sua capacidade laboral, sendo muitas vezes motivo de chacota entre os colegas, por parecer "burrinha".
Por outro lado, conseguia lembrar pormenores da sua vivência com as pessoas com quem tinha alguma ligação de afeto, seja da família, colegas de colégio ou de trabalho. Na vida sexual, um prodígio da memória! Lembrava detalhes de cada relação que teve, conciliando plenamente cada peculiaridade com seu parceiro. Como nunca teve um relacionamento duradouro, daqueles de dividir a cama diariamente com alguém, suas relações eram pautadas pela efemeridade das paixões, e pela força que essas têm. No entanto, teve experiências que, na sua análise, eram marcos de aprendizado. Se achava uma mulher madura: "estou na idade da loba" era o que costumava dizer. Teve seu tempo de boêmia, quando freqüentava muitos lugares, sempre acompanhada das amigas de festa. Nesses lugares quase sempre saía acompanhada e terminava a noite em um quarto de motel ou no apartamento de alguém. Mas não era o tipo de mulher fútil, não senhor! Ia porque realmente gostava dos homens que encontrava, e pra provar isso podia se vangloriar de nunca ter dado uma única vez para um cara. Se gostava do tipo, podia contar que ele teria a atenção dos seus carinhos uma meia dúzia de vezes!
Seus namoros sempre rendiam outros encontros, e uma vez chegou até mesmo a durar mais de um ano, embora o namorado de então fosse casado. Também não perdia a oportunidade de viajar ou freqüentar lugares novos, embora tivesse uma especial aptidão para esquecer nomes de lugares e confundir cidades. Seguidamente, estava ela em uma praia do Ceará achando que estava em Pernambuco, ou em uma cidade do interior achando que era capital de alguma coisa. Mas o que importa é que nesses lugares sempre conhecia "um carinha", com quem impreterivelmente tinha um caso. "Ficava", ela gostava de dizer, embora ela não fosse, necessariamente, da geração que "fica", como os adolescentes costumam descrever seus affairs passageiros. Como ia a lugares turísticos, tinha a oportunidade de dar suas trepadas internacionais, também. Para ela era a glória, pois se considerava uma mulher experiente que podia discorrer sobre as formas de amor que se praticam em diversos países. E mesmo que nunca tenha tido amantes diferentes de uma mesma nacionalidade, costumava avaliar (e achava sinceramente que isso era verdade), que os argentinos eram bons amantes, os italianos eram preguiçosos, os alemães muito rudes, etc.
Mas a vida de Elisandra parecia que começava a mudar. Na verdade, estava vivendo um período difícil: desempregada, perdera o pai a pouco tempo; as relações com a mãe, já velhinha, eram difíceis; e os irmãos eram distantes de coração. Tinha alguns parentes no interior com quem mantinha um precário contato, mas tinha boas lembranças e contava com eles para retomar sua vida. Afinal, pensava em morar no interior, pois a vida na capital estava difícil e a mãe se adaptava muito bem na cidade pequena, de onde era natural. Também havia um antigo namorado, um desses casos passageiros que teve numa época de visitas freqüentes a essa cidade do interior, com o qual sempre preservou o contato, pois consideravam-se bons amigos.
A oportunidade de levar adiante seus planos de se transferir de cidade apareceu quando um casal de amigos a convidou para irem para a praia juntos, e como sabiam de seus planos, traçaram com ela o plano ideal de viagem: a mãe iria junto, pois a tal cidadezinha ficava no caminho do litoral, e ela seguia com eles até o destino final, onde passariam alguns dias de férias. Hesitou primeiro, pois estava ruim de dinheiro, mas por fim se convenceu, com os argumentos da amiga:
Vai com a gente Elisandra, tu tá precisando dar uma descansada na cuca e a praia vai te fazer bem! Além disso, uma pessoa a mais pra nós nem vai fazer diferença!
Tudo certo, juntou seus trocados, seus produtos de beleza (usava muitos e eram realmente sua prioridade), seu biquíni e a agenda com suas "dicas de verão", uma série de anotações sobre que tipo de creme passar antes, durante e depois do banho de sol, do sal da água do mar, cuidados com a pele, com os cabelos, com os olhos, saúde sexual, etc., tudo cuidadosamente retirado de revistas ou programas televisivos. Fazia tempos que não ia à praia e a idéia, tão logo tomou forma de concreta, lhe deu novo ânimo, mesmo nos dias que antecederam a saída.
Chegado o grande dia, partiram. Deixaram a velhinha na casa de uma parente, sem que ela soubesse da verdade sobre a empreitada da filha, e seguiram para a praia, que por acaso ela ainda não conhecia. E foi aí que a vida de Elisandra começou a mostrar sinais de algo iria mudar...
A praia dos amigos não era a dela. Entenda-se: o casal curtia praias de belezas naturais abundantes, com poucos recursos e nada de agitação. Para Elisandra, praia era badalação, noitada, namoro e compras, e nada disso tinha onde eles foram. Para piorar a situação, de vez em quando eles iam a alguma praia próxima onde rolava o agito, e deixavam a coitadinha com água na boca com um monte de lojinhas e gente e barzinhos. Mas estavam confortavelmente instalados, e a beleza natural do lugar de certa forma compensava a falta de vida urbana. Isso, claro, depois de passado o choque inicial, e um dia Elisandra se pegou, finalmente, levantando cedo para pegar a manhã na praia, coisa que nos primeiros dias era atividade exclusiva do casal amigo, já que ela tirava a manhã para dormir até tarde. Um dia deu por si parada olhando a natureza, o mar, o verde dos morros, a elegância sutil dos barcos dos pescadores atracados na enseada. Veio uma canção na sua cabeça, que ela não conseguiu lembrar o nome e nem quem cantava. Não contou pra ninguém, mas guardou para si. Era de uma novela, concluiu. No dia seguinte levantou ainda mais cedo, e não lavou o rosto com água mineral gelada como sempre fazia (estava lá nas suas dicas de beleza). Esqueceu de ler as recomendações sobre o filtro solar e acabou um pouco queimada do sol nesse dia. Sua memória era fraca, e a leitura das dicas fez falta. Mas no final da tarde, ao constatar a vermelhidão da pele no espelho, deu um sorriso sincero. Foi na agenda e arrancou algumas páginas das dicas de beleza. Não todas, "tinha umas muito importantes, oras!" foi o que pensou. Fazia as coisas assim, sem se indagar porquê. De noite, aceitou o convite dos amigos para caminhar na praia e olhar a lua e as estrelas. Eram lindas realmente! E com aquela canção na cabeça...
Chegou o dia de deixar a praia e a cabeça de Elisandra estava meio que virada do avesso. Anotou na agenda, pela primeira vez em uma viagem, o nome dos lugares e praias que conhecera. Se deu conta de que já não lembrava direito de algumas, ao indagar dos amigos sobre quais eram tais. Não importava, queria lembrar disso pro resto da vida. Alguma coisa estava mudando, deixou um pouco o corpo de lado, e não estava preocupada em ter chegado ao final desses dias sem uma paquera sequer. Saiu de lá assim, leve como uma pluma, e com aquela canção sempre na cabeça. Os amigos notaram a introspecção, mas acreditaram ser a nostalgia do retorno, e não fizeram perguntas. Deixaram-na na cidadezinha do interior junto com sua mãe, onde iria tentar levar adiante seus planos profissionais.
Na tal cidade, sua mãe lhe aguardava ansiosa: "Filha, estão todos loucos pra te ver e vocês demoram tanto a voltar! Além do mais, nem sabes quem já está sabendo da tua idéia de vir morar aqui?" Foi como um estalo na sua cabeça! Mas como a mãe antecipava as coisas! De fato, queria revê-lo, mas não tinha pressa, afinal a vida tem outras coisas importantes. Mas estava lá, ele já tinha visitado a mãe e deixado seu telefone para que Elisandra ligasse tão logo estivesse na cidade.
Bem, como não tinha nada para fazer naquele momento, Elisandra ligou. Em cinco minutos ele chegava de carro para lhe convidar para dar uma volta. Vinte minutos depois estavam num motel. Elisandra tirou a roupa e se olhou no espelho. Era uma mulher madura, não havia como negar, mas conservava seus encantos. Enfim, valia a pena algum esforço! Mas estava precisando de um "creminho" para estrias, iria providenciar assim que tivesse um tempo. As mão rudes do rapaz lhe abraçaram, e a puxaram para a cama.
Depois do primeiro gozo, Elisandra rolou na cama desfalecida, com aquela sensação de cabeça vazia que acompanha o êxtase do corpo. Veio a idéia de uma canção para sublimar aquele momento, mas ela não conseguiu lembrar, apesar do esforço que fez. "Era de uma novela..."

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Começando...

A idéia de escrever esse blog surgiu mais por não ter um lugar onde deixar essas coisas que saem da cabeça, do que pela vontade que alguém leia isso tudo. De qualquer forma, se você chegou até aqui, espero que goste.
Aqui vamos encontrar coisas que aconteceram de fato, e outras muitas que ficaram guardadas em algum lugar entre a ficção e a realidade, esperando para acontecerem. Talvez aconteçam algum dia, talvez fiquem só no plano do irreal. Em todo caso, são um pouco das minhas "viagens", daquilo que fico imaginando quando algo é por mim observado. Nesse sentido, tudo tem um pouco de realidade.
Em alguns textos, iremos perceber as coincidências de detalhes que presumirão a veracidade dos fatos. Não se aflijam, no entanto, meus amigos: ninguém aqui terá seu nome revelado, se por acaso tiver suas experiências, por acidente, confundidas com os devaneios de uma mente pseudo doentia, a minha. A moléstia não chega a tanto. Me desculpem apropriar-me das vossas vidas, de forma tão escrachada, se for o caso.
Também veremos aqui reflexões saídas da cabeça de um sociólogo que ainda não encontrou o seu lugar no mundo, ao que espero não tenham compaixão, mas compreendam que ver o mundo e as pessoas não pode ser a mesma coisa para quem tomou por hábito, há algum tempo, observar a natureza humana. Não é a intenção, porém, fazer desse espaço um local para discutir a sociedade. Ela vai estar presente, com todos os seus dilemas, naquilo que despreocupadamente será muitas vezes exposto: as experiências das pessoas, no cotidiano, suas fraquezas e franquezas. Inclusive as minhas.
Eu tenho consciência de que terei algumas dificuldades. Escrever textos menores, com certeza, será uma delas. Manter atualizado também. Em todo caso, vou encarar o desafio. Vamos ver como eu me saio!